A camélia e o chá
porque as camélias também se bebem
Como forma de celebrar a vindoura Semana das Camélias que invadirá o Porto de 5 a 12 de Março, escrevemos um texto alusivo à ocasião: falamos de uma camélia de singela beleza, mas que é também deliciosa.
O chá é uma bebida comum a quase todos nós, mas no entanto, ainda há pouca gente que sabe o que realmente é o chá. Mas então, o que é o chá? O chá provém das folhas de Camellia sinensis, uma espécie de planta arbustiva. A planta do chá pertence ao mesmo género que as nossas adoradas camélias ornamentais, das quais são notórias as espécies Camellia japonica, Camellia sasanqua, Camellia reticulata, e Camellia saluenensis. Os ditos chás de tília, camomila, cideira, sabugueiro, hibiscus, hortelã e afins não são chá, a não ser que a mistura contenha folhas de chá. O termo correcto para tal preparação é tisana.
A PLANTA
Morfologicamente, a planta do chá apresenta-se como um arbusto perene que geralmente em cultivo se mantém abaixo dos 2 metros, mas pode crescer 10 a 15 metros na natureza, e apresenta uma delicada flor branca. Para a produção do chá apanham-se apenas as folhas jovens e botões foliares nos primeiros centímetros da copa do arbusto. A apanha das folhas pode ser feita durante todo o ano, aquando o rebentar de novas folhas.
A espécie Camellia sinensis necessita de solos ácidos e de um ambiente com temperatura amena e elevada humidade. Como tal, esta planta adapta-se a climas tropicais e subtropicais, sendo endémica a uma grande parte do continente Asiático, nomeadamente ao Este e Sudeste Asiático e ao subcontinente Indiano. Mas não é só da Ásia que vem o nosso chá. O chá é produzido em mais de 30 países, espalhados por quase todos os continentes.
PORTUGAL E O CHÁ
Mas atenção: Portugal tem uma longa e íntima relação com o chá. Os caminhos de Portugal e da Camellia sinensis cruzaram-se algures no século XVI, tendo sido o Padre Jesuíta Gaspar da Cruz o primeiro europeu a deparar-se com o chá, aquando uma missão na China. Surgiu então a palavra “chá” – uma adaptação do cantonês chàh – e cuja primeira referência surge numa carta do missionário enviada para Portugal, datada de 1560 [1]. Juntamente com os Holandeses, os Portugueses foram dos primeiros a trazer o chá para a Europa, através da rota comercial marítima estabelecida com a China no século XVI (mais aqui).
Em Portugal produz-se chá de uma qualidade maravilhosa. Portugal foi a primeira nação europeia a produzir chá, e tem-no feito desde meados do século XVIII, quando a Camellia sinensis foi introduzida nos Açores. Exemplo disso são os internacionalmente celebrados Chás Gorreana e Chá Porto Formoso, ambos da Ilha de São Miguel. A Gorreana produz chá verde e preto, do qual tem as variedades pekoe, orange pekoe e broken leaf. Estas variedades referem-se à qualidade e aspecto das folhas que são usadas (pode saber mais aqui). A Chá Porto Formoso produz apenas chá preto, também das variedades pekoe, orange pekoe e broken leaf.
Mas também há algo de português no vício do five o’clock tea. Atribui-se a Catarina de Bragança, filha de D. José IV, e esposa do Rei de Inglaterra Carlos II, a introdução do chá na corte Inglesa [2]. O amor pelo chá espalhou-se da corte Inglesa para todo o país, e perdura ainda hoje.
O CHÁ
Quanto ao chá e o seu sabor, há muito para se dizer. Para além de uma infinita possibilidade de combinações com vários frutos, flores e sabores diferentes, convém saber o essencial: quais os tipos de chá que existem, e quais as diferenças entre eles. Para o efeito, destacam-se as principais variedades de chá, nomeadamente o chá branco, verde, oolong, preto e pu’erh. Abaixo segue uma curta descrição de cada um, começando pelo mais delicado (branco), e aumentando de intensidade até ao mais robusto (pu’erh).
Chá branco
Para produzir chá branco, utilizam-se os botões foliares e folhas muito jovens. Os mesmos são então passados por vapor e secos ao sol. A oxidação dos botões foliares é quase nenhuma, o que se traduz num sabor delicado e adocicado. Este chá possui uma grande quantidade de antioxidantes, e um baixo teor de cafeína.
Chá verde
O chá verde é produzido com folhas não fermentadas. Este chá é considerado o mais benéfico em termos medicinais, sendo que possui um elevado teor de polifenóis, e menos cafeína que o chá preto. Sendo a variedade de chá mais utilizada na investigação biomédica, têm-lhe sido descobertos vários benefícios, nomeadamente no combate contra o cancro, artrite, stress, diabetes, doença hepática, osteoporose, obesidade, doenças cardiovasculares, e protecção contra os raios ultravioleta [3].
Chá oolong
Os chás oolong e pu’erh, são ainda pouco conhecidos entre nós. O oolong é um chá parcialmente fermentado, que é seco no pico do sol e é em geral bastante oxidado. Como existem várias formas de produzir este chá, também existe um vasto leque de sabores possíveis, que vão desde o adocicado ao fresco, ou mesmo amadeirado.
Chá preto
Este tipo de chá representa o mais produzido e consumido no mundo. O sabor é robusto, devido à forte oxidação que sofre durante a sua produção. Possui um elevado teor de cafeína e é rico em flavonóides.
Chá pu’erh
Este chá é muito semelhante ao chá preto, e é proveniente de uma variedade com folhas particularmente grandes, podendo ser colhido todo o ano. A maior particularidade deste chá é que é fortemente fermentado, comprimido, e também pode ser envelhecido. O tempo de envelhecimento pode variar entre alguns anos até várias décadas.
SEMANA DAS CAMÉLIAS
Finalizamos com um incentivo a todos os que conhecem ou queiram conhecer melhor o mundo das camélias, fazendo uma ou duas sugestões, e deixando os principais destaques dos eventos que irão acontecer durante próxima semana:
- Para os curiosos, fica a dica de que existem dois exemplares de Camellia sinensis no Jardim Botânico do Porto.
- Vale a pena prestar atenção às camélias nalguns dos principais espaços ajardinados do Porto, com destaque para o Palácio de Cristal, Jardins do Museu Romântico e Casa Tait, Jardim Botânico, Jardim da Cordoaria e Jardim de São Lázaro, por exemplo. Pode consultar um roteiro de jardins com camélias aqui.
- De 5 a 6 de Março pode explorar a XXI Exposição de Camélias do Porto, que decorrerá na Casa de Serralves, promovidos pela Associação Portuguesa de Camélias, PortoLazer e o Pelouro de Ambiente da Câmara do Porto
- Vale a pena efectuar uma visita aos jardins da Quinta Villar d’Allen, que possuem uma das maiores colecções de camélias do país.
- O evento “A Feitoria, as Famílias Inglesas e as Camélias” permite-nos conhecer a ligação entre a história das famílias inglesas e da disseminação das camélias nos jardins do Porto (inscrição limitada).
- A restante programação pode ser consultada aqui.
Referências [1] Bennett Alan Weinberg & Bonnie K. Bealer (2001) The World of Caffeine: The Science and Culture of the World's Most Popular Drug. New York: Routledge. [2] Phillips, Edite Vieira (1998) O Livro do Chá, a história, o ritual e a prática. Sintra: Colares Editora. [3] Cooper, R., Morré, D. J., & Morré, D. M. (2005). Medicinal benefits of green tea: Part I. Review of noncancer health benefits. Journal of Alternative & Complementary Medicine, 11(3), 521-528.
Créditos Gravura proveniente de Biodiversity Heritage Library de Flickr, CC BY 2.0.