Já nos dedicamos há alguns anos à procura de papelada antiga relacionada com culinária, de preferência portuguesa, mas não só. Dos mais clássicos livros de cozinha portuguesa aos menos conhecidos, a pequenos manuscritos, ementas e fascículos culinários, vamos encontrando receitas e tradições curiosas, mas também algumas raridades que esperamos cuidar por muitos anos.
No meio desta caça à escrita antiga, deparamo-nos com quão pouco acessível e pouco difundida está a maior parte da literatura culinária portuguesa que preceda os meados do século XX. A relevância do receituário histórico não é pouca, e num país que se revê como defensor das suas raízes, o que é feito dos Lusíadas da gastronomia?
Inconformados, deitámos mãos à obra para contornar a escassez que todos os livros antigos pouco reeditados sofrem e trouxemo-los para o digital em formato de e-book. Queremos com isto facilitar o encontro entre os livros de cozinha portuguesa antigos e todos os amantes de cozinha que queiram indagar sobre a cozinha e ingredientes de outrora e que, no limite, se sintam desafiados a reproduzir estas receitas.
Para começarmos o lançamento desta colecção, escolhemos três livros. Na realidade dois livros e um manuscrito. Três livros que nasceram em três séculos diferentes, e que só por si representam cozinhas muito distintas.
Manual de Cozinha da Infanta D. Maria
O primeiro — que nesta edição denominamos como “Manual de Cozinha da Infanta D. Maria” — trata-se do manuscrito mais antigo até hoje conhecido referente à culinária portuguesa. Ao longo de 67 receitas, relata a pura cozinha medieval da classe privilegiada, plena de sabores arrojados e fortemente condimentados com especiarias, e sem uma clara definição entre doce e salgado. Pode saber mais sobre a história deste livro aqui.
Arte de Cozinha - Domingos Rodrigues
O segundo — “Arte da Cozinha” — foi escrito por Domingues Rodrigues em 1680, e foi o primeiro livro culinário a ser impresso em Portugal. Nesta panóplia gastronómica que ascende a mais de 300 receitas, ainda se sentem as influências da cozinha do tempo da Infanta D. Maria, mas com ainda mais ricos aromas dos Descobrimentos, vendo-se nela também os primórdios da influência estrangeira, com o aparecimento de pratos “à italiana” ou “à francesa”, por exemplo. Descubra mais aqui.
Arte Nova e Curiosa para Conserveiros, Confeiteiros e Copeiros
Por fim, o terceiro livro — “Arte Nova para Conserveiros, Confeiteiros e Copeiros” — foi publicado em 1788, e nunca foi assinado pelo seu autor. Trata-se do primeiro livro impresso em Portugal que se dedica exclusivamente à arte doceira. Cobre múltiplas receitas de pastelaria, confeitaria, e até alguma doçaria conventual e regional, que apresenta com um detalhe impressionante, pensado para serem reproduzidas correctamente. Vale a pena descobrir mais aqui.
A leitura de qualquer um destes livros envolve o contacto com toda uma linguagem desconhecida. Desde as unidades de medição, aos nomes de ingredientes e utensílios que por vezes em nada se assemelham às designações contemporâneas. Há até ingredientes que quase desapareceram por completo, mas que se encontravam ubiquamente presentes.
Tudo isso tem que ser destrinçado para que faça sentido aos olhos de hoje. Encarar muitas destas receitas com a nossa perspectiva contemporânea talvez seja a parte mais surpreendente de todo o processo. A título de exemplo, basta olhar para os conceitos da época de doce e salgado, que não se regem pelas regras com que comemos hoje, o que nos leva a querer que em certos casos se assista a uma abordagem menos conservadora do que na actualidade.
Para podermos aproximar ainda mais este património de todos, vamos lançar uma série de vídeos onde nos propomos a pôr as mãos na massa e a aventurarmo-nos em algumas das receitas mais curiosas e fascinantes destes livros. Não prometemos que vá correr sempre bem, mas vamos atrás do almíscar e do âmbar, se for preciso.
Fiquem atentos, porque brevemente iremos lançar mais edições de livros de cozinha portuguesa que ficaram para a história. Até lá, façam as vossas experiências e digam-nos como correu, tanto aqui como nas redes sociais. Ficamos à espera…!