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Os antigos mercados do Porto
Introdução
Para além da jóia da coroa dos mercados do Porto, o Mercado do Bolhão, outros mercados igualmente portuenses ficaram pelo caminho e apenas ao mergulhar no passado os poderemos visitar.
O passar do tempo levou ao desaparecimento de muitos dos edifícios, mas também de muitas tradições e profissões. Resta apenas na memória de quem por lá passou o ambiente que se vivia nestes agitados mercados. Aos dias de hoje chegaram-nos alguns pequenos elementos vivos destes locais, como chafarizes ou fontes. Sobra-nos a imaginação e alguns registos para retratar a população que calcorreava as ruas, escolhendo ou vendendo os produtos da época. Como as dedicadas padeiras de Avintes, que atravessavam o Douro em barcos valboeiros para vender os seus pães e broas na cidade. Enfim, todos os elementos que faziam parte de uma dinâmica, para salvaguardar a alimentação da cidade.
Estes mercados prestaram um valioso contributo para formar uma cidade tão gastronomicamente rica e diversa como o Porto.
Mercado do Peixe
1834-1949
Campo dos Mártires da Pátria
As origens do há muito extinto Mercado do Peixe remontam ao final do século XVIII, quando a venda de peixe era feita na Alameda da Cordoaria. Os peixeiros foram deslocados para outras partes da cidade durante algum tempo, tendo voltado para a Cordoaria em 1834, para um mercado no formato de um barracão. Situava-se junto ao Celeiro Público da Cidade, onde se guardavam os cereais para a produção de pão.
Com o avançar das preocupações com a salubridade pública, em 1868 a Câmara Municipal mandou projectar um edifício próprio para o Mercado do Peixe. O desenho do mercado foi traçado pelo engenheiro Gustavo Adolfo Gonçalves de Sousa, e pode ser visto abaixo. A inauguração do edifício fez-se em Março de 1874, e o sumptuoso edifício neoclássico estava dotado de todas as amenidades mais modernas para garantir as melhores condições de higiene para um negócio que gerava muitos odores e resíduos incómodos.
O mercado era fornecido de peixe proveniente de Matosinhos, Foz do Douro, Póvoa de Varzim, Espinho, Viana do Castelo e Vigo, bem como de outros locais piscatórios, chegando à cidade por comboio. Este edifício acolheu e centralizou a venda de peixe na cidade do Porto durante quase oito décadas, tendo conhecido o seu fim em meados so século XX.
Em 1949, os peixeiros foram deslocados para um local mais pequeno junto à Casa da Roda, e os vendedores do Mercado do Anjo foram transferidos para as instalações do Mercado do Peixe. Por fim, a abertura do Mercado de Bom Sucesso em 1950 levou ao realojamento dos vendedores do mercado do Peixe e do Anjo, o que condenou ambos os locais à extinção e demolição.
No local onde outrora se vendia o peixe mais fresco da cidade, impera agora o Palácio da Justiça, inaugurado em 1961.
Mercado de Santa Teresa (ou Feira do Pão)
?-1909
Praça Guilherme Gomes Fernandes
O Mercado de Santa Teresa situava-se na actual Praça Guilherme Gomes Fernandes, e era mais conhecido como a Feira do Pão. Aliás, a própria praça acabou por adoptar o nome de Praça do Pão. Não se sabe quando terá sido a data de início deste mercado, no entanto, os registos já mencionam o seu nome no início do século XIX.
As pitorescas barracas de madeira ocupavam todo o centro da praça, e criavam reboliço durante toda a semana. Para aqui vinham vender os padeiros locais, no entanto, as padeiras de Valongo e de Avintes eram sem dúvida as mais prolíficas no mercado. Valongo, terra de grandes plantações de grãos e fortes moinhos, era conhecida há séculos pela forte tradição em produção de pão. Aproveitando a procura que havia na cidade do Porto por pão de qualidade, as padeiras de Valongo encavalitavam canastras com pães nos dorsos de burros em arreata, e punham-se a caminho. Por outro lado, as padeiras de Avintes, que já na altura produziam a magnífica broa de Avintes, atravessavam o Douro em pequenos barcos valboeiros, atracando nas “Escadas das Padeiras” do Cais da Ribeira, onde descarregavam as canastras de broa e pão para vender no mercado (ver abaixo).
Sabe-se que os pães mais vendidos eram as regueifas, as broas de Avintes, pão podre, pão molete (consta que apareceu durante as invasões francesas, a propósito do General Moulet), tosta azeda, pão coado, e biscoitos variados. Curiosamente, a famosa Padaria Ribeiro foi fundada em 1878, ainda na altura em que a Praça de Santa Teresa acolhia a Feira do Pão.
O fim do Mercado de Santa Teresa foi ditado a 26 de Maio de 1909, data em que os vendedores de pão foram transferidos para o Mercado do Anjo.
Mercado do Anjo
1839-1952
Campo do Olival
O Mercado do Anjo surgiu como uma vontade da Câmara Municipal do Porto em concentrar os vendedores das diversas feiras que pontuavam a baixa da cidade, de forma a facilitar a fiscalização e assegurar a limpeza dos espaços.
Foi escolhido então um terreno, junto à Torre dos Clérigos e da Porta do Olival. Aqui se traçou um mercado de configuração triangular, com uma entrada em cada vértice. Como era costume na altura, o mercado foi ladeado a granito, rodeado de elegante gradeamento de ferro, e por estar numa zona rica em cursos de água, era provido de várias fontes, tais como a Arca do Anjo (ver abaixo). O interior do mercado era constituído por fileiras de barracas de ferro cobertas por telha, bem espaçadas de forma a permitir o eficiente fluxo de pessoas e bens, sombreadas por alamedas de frondosas árvores. No centro, onde se encontravam as três alamedas, estava localizado o belo chafariz do Anjo, que não sobreviveu até aos dias de hoje.
A Câmara do Municipal do Porto desde cedo quis garantir que o Mercado do Anjo era um local seguro, limpo e agradável, o que não era tarefa fácil, dada a azáfama de compradores e vendedores. Num edital da Câmara Municipal de 28 de Dezembro de 1838, estavam estipuladas as apertadas regras para o funcionamento do mercado, e que ditavam:
“ As [barracas] do lado norte são para venda de carnes de porco salgadas, defumadas ou ensacadas; as do lado sul são para as carnes verdes de boi, vitela ou carneiro; e as do poente para todos os mais comestíveis que, de costume e por licença, se vendem nas praças e mercados públicos.”
Pois assim ficava regulada a prática dos carniceiros, e de outros bens que não verduras, mas aqui era proibido o peixe fresco, que por falta de condições adequadas teria de ser vendido no Mercado do Peixe:
“ (…) nesta praça não se poderá vender peixe fresco, nem salgado, excepto bacalhau; tudo o mais, bem como os miúdos de boi, continuarão a vender-se no abarracamento junto à Casa dos Expostos, na Cordoaria.”
E quanto às hortaliças, frutas e animais, se instituiu:
” (…) no centro da Praça se fará a vendagem das hortaliças, dos legumes, das frutas, das aves e de outros géneros mas separados entre si o suficiente afim de se evitar a confusão que sempre resulta da reunião de muitos compradores num só lugar.”
Incluía-se também a proibição do gado à solta, o uso de toldos, a ocupação dos telhados ou o despejo de lixo nos chafarizes e tanques. O mercado teria também de fechar quando soassem as seis da tarde, ficando apenas aberto para os vendedores que precisassem de abastecer as duas bancas de madrugada.
A longa vida deste mercado ditou também a introdução de melhorias e alterações a nível de infraestruturas e de paisagismo, tendo sido o mercado alvo de introduções do progresso, tais como candeeiros a gás. Sofreu também intervenção do arquitecto Marques da Silva em 1905.
A inauguração do Mercado do Bolhão exerceu uma franca pressão no Mercado do Anjo, que foi perdendo popularidade e investimento, chegando a um estado de degradação tal que ditou o seu fim. O Mercado do Anjo foi demolido em 1952, no seu 110º aniversário.
Depois disto, o local do mercado virou parque de estacionamento, e depois centro comercial, para cair depois em decadência durante vários anos. Mais recentemente, foi feita uma total reabilitação do espaço, sendo agora uma galeria comercial e de restauração, com uma cobertura ajardinada.
Mercado de Ferreira Borges
1888-1900 ; 1939-1978
Rua da Bolsa
A vontade de longa data de substituir o precário Mercado da Ribeira levou à projecção do Mercado Ferreira Borges pelo arquitecto João Carlos Machado, tendo a construção sido iniciada em 1885,e terminado em 1888. A sua magnífica estrutura em ferro foi exectuada pela Companhia Aliança (Fundição de Massarelos). Foi, sem dúvida, a beleza clássica deste magnífico edifício de ferro e vidro que manteve aceso o interesse público na sua manutenção, pois foram várias as ocasiões em que foi ponderada a sua demolição. O mercado honra o nome do ilustre político, economista e jurisconsulto portuense, José Ferreira Borges.
Viveu-se na altura muita resistência por parte dos vendedores em deixarem o Mercado da Ribeira, e portanto, houve pouca aderência ao novo espaço. Meros 22 anos depois, o Mercado Ferreira Borges perdera a sua utilidade enquanto espaço de mercado, pensando-se então instalar lá um museu, pondo-se a hipótese de conversão em Museu Colonial, Museu Industrial, Museu Municipal, ou num jardim de Inverno. Não chegando a consenso, o espaço acabou por ser utilizado por diversas estruturas e para propósitos diferentes, como armazém de armas ou cantina dos pobres. No entanto, entre 1939 e 1978 o mercado voltou à sua função original, albergando o mercado abastecedor de frutas. A degradação do edifício ditou o seu abandono no final da década de 70, ficando em o mesmo em decadência até à sua reabilitação em 1983, com mão da mesma empresa que o construiu. Após as obras, espaço dedicou-se a ocasionais exposições culturais, mas sem rumo definitivo.
O Mercado Ferreira Borges acabou por ganhar uma nova utilidade quando o espaço foi concessionado à exploração ao Hard Club, em 2008. As obras de adaptação do espaço foram feitas com o cuidado de serem totalmente reversíveis, pela inserção de paralelepípedos de betão no seu interior, e desta forma, não alterando as características fundamentais do edifício. O antigo mercado é agora um espaço de divulgação cultural, sala de espetáculos e diversão nocturna, tendo também um bar e restaurante associados.
Mercado de Peixe do Cais dos Guindais
1849-1950
Cais dos Guindais
Este mercado surgiu de uma ocasião caricata, pois aquando a morte do rei Carlos Alberto da Sardenha, um vereador responsável pela preparação do embarque fúnebre do rei solicitou à Alfândega do Porto a deslocalização temporária do mercado de peixe do Cais da Ribeira para o Cais dos Guindais.
A mudança depressa passou de temporária a permanente, o que gerou grande algazarra entre a Alfândega e a Câmara da cidade, pois o mercado entrava em conflito com a zona de desembarque os vinhos. Entretanto, após solicitação, a Rainha D. Maria II autoriza o estabelecimento oficial do mercado por decreto em 1851, pelo menos até ser o espaço ser necessário para usos mais urgentes.
O mercado continuou a laborar até ser extinto pela Câmara, em 1950, para intervenções urbanísticas na zona.
Mercado da Ribeira
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Cais da Ribeira
Há muitos séculos que o Cais da Ribeira era um dos principais locais de desembarque dos mantimentos que abasteciam a cidade. Era aqui que se descarregava o bacalhau salgado e todo o demais peixe fresco, vinho, as hortaliças e frutas, o açúcar, o arroz e as especiarias, e tudo o que mais viesse de fora da cidade, para depois ser carregado até ao destino em carros de bóis. Naturalmente, este fervilhante porto tal tornava o Cais da Ribeira no local ideal para se formar um mercado a céu aberto, também apoiado por muitas mercearias. As suas origens são incertas, mas a chegada de mercadorias neste cais sempre impulsionou o comércio. Nunca foi contudo um mercado fixo, no sentido em que não foram erguidas construções definitivas, mas apenas barracas, que eram mudadas ocasionalmente. O mercado foi mudando, naturalmente, com os tempos. O Mercado da Ribeira existe ainda hoje, se bem que numa versão muito diferente, mais dedicada a vender produtos de artesanato e doçaria, e portanto, não se qualificando como um mercado de comida, como fora outrora.
Mercado da Rua Escura
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Rua Escura e Rua de S. Sebastião
O Mercado de Levante da Rua Escura era um antigo mercado que ladeava a Sé, estendendo-se pela Rua Escura e também pela Rua de S. Sebastião. Chega-nos aos dias de hoje como Mercado de S. Sebastião, mas difere, entre outras coisas, por agora ter uma localização permanente, sendo que antigamente era um mercado ambulante, onde progressivamente foram instaladas barracas provisórias. O actual edifício foi construído na década de 1990, mas pede por urgentes obras de requalificação, sob pena de fechar por falta de utilidade e condições para os poucos vendedores que ainda resistem.
REFERÊNCIAS: - Jornal de Notícias 10/06/2007 - Marabo 2012 - Hard Club - Cadernos da Libânia - Jornal de Notícias 02/08/2008 - Blog José Manuel Cunha - Porto de Agostinho Rebelo da Costa aos Nossos Dias