Língua Electrónica
Aviso: Não beijar.
Lê-se em [est_time]
O paladar resulta da estimulação das papilas gustativas que detectam os cinco sabores básicos (doce, amargo, salgado, azedo e umami). Esse mesmo estímulo, conjuntamente com o olfacto, é conduzido ao cérebro onde é formado um gosto em particular. Tal não é certamente uma característica unicamente humana, já que muitos outros animais possuem também papilas gustativas. O propósito evolutivamente mais aceitável para a existência das papilas gustativas é o de fornecer informações imediatas quanto à composição nutricional de um alimento, e se o consumo do mesmo acarreta risco de envenenamento. Por outro lado, as papilas gustativas também servem para atribuir estrelas Michelin.
Neste contexto, vamos-lhe apresentar um magnífico produto – imagine-se agora o tom de voz das televendas – que poderá acrescentar bastante à forma como entendemos o sabor. Mesmo não tendo papilas gustativas, a língua electrónica faz um trabalho tão bom (ou melhor) do que os seres humanos a provar certos alimentos.
Conhecida como electronic tongue ou e-tongue (ou seja, língua electrónica), não será possível encontrar-lhe qualquer semelhança visual a uma língua. Este aparelho consiste numa série de membranas revestidas por lípidos e ligadas a um electródo. Quando esta membrana é mergulhada numa matriz líquida (ex. alimento líquido) irá medir a condutividade, o que permitirá, tal e qual como acontece na nossa língua, aferir sobre acidez, a quantidade de sal, etc.
Apesar de cada um dos sensores da língua electrónica fornecer informação relativamente simples, é da conjugação de todos os sensores que resulta uma informação muito completa sobre o alimento, suficiente até para se criar uma espécie de impressão digital de cada alimento com base nos parâmetros recolhidos [2].
Algo curioso é o facto de esta língua electrónica ter sido criada e desenvolvida antes de se ter descoberto exactamente como funciona a recepção de estímulos por parte das nossas papilas gustativas.
Para uma análise mais completa do sabor dos alimentos será ainda possível fazer parelha com outro equipamento do género, o nariz electrónico, que tal como um nariz, detecta a componente volátil dos alimentos, que está geralmente associada a compostos aromáticos, e que em tanto influência a percepção de sabor. Lembra-se dos dias em que está constipado e tudo lhe sabe a papel molhado? Pois, é isso.
Tendo aplicações em controlo de qualidade alimentar e também no desenvolvimento de produtos alimentares, este aparelho não tem esquisitices e prova de tudo. Possui também uma grande utilidade para melhorar o sabor final de medicamentos (sugere-se a ajuda para alguns medicamentos ainda detêm um certo sabor a veneno para ratos), trabalho que caso contrário teria que ser feito por painéis de provadores humanos, acarretando riscos para a saúde. E mais ainda, a língua electrónica encontra também aplicação na monitorização de amostras de água, detecção de poluentes e diagnósticos não invasivos [3,4].
No campo puramente alimentar são as bebidas e outros alimentos líquidos que têm merecido mais atenção da língua electrónica. A língua electrónica tem-se revelado como uma protagonista na identificação de falsificações alimentares quer ao nível do uso de produtos de uso proibido em alimentos, como também no controlo de alimentos de denominação protegida, onde há necessidade de rastrear todos os seus constituintes. Surpreendentemente, a língua electrónica também executa tarefas como identificar a idade de diferentes vinhos do Porto e da Madeira, um feito talvez só alcançável por provadores de vinho altamente especializados e com incontáveis anos de experiência. Neste campo, também é útil no acompanhamento do envelhecimento de produtos tais como o queijo e whiskey.
A língua electrónica não é propriamente um utensílio de culinário, mas com um palato tão refinado bem que poderá vir a ser.
Referências
[1] Choi, Myunghwan, Woei Ming Lee, and Seok Hyun Yun. “Intravital Microscopic Interrogation of Peripheral Taste Sensation.” Scientific Reports 5 (2015).
[2] Tahara, Yusuke, and Kiyoshi Toko. “Electronic tongues–A review.” IEEE Sensors Journal 13.8 (2013): 3001-3011
[3] Ramamoorthy, H. Vignesh, S. Natheem Mohamed, and D. Suganya Devi. “E-Nose and E-Tongue: Applications and Advances in Sensor Technology.” Journal of NanoScience and NanoTechnology 2.1 (2014): 370-376.
[4] Campos, Inmaculada, et al. “A voltammetric electronic tongue as tool for water quality monitoring in wastewater treatment plants.” Water Research 46.8 (2012): 2605-2614.