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Os conselhos nutricionais do Lunário Perpétuo
Descubra os conselhos nutricionais que os seus hexavós (?) seguiam. Exploramos com os olhos de hoje um lunário do século XVI.
O Lunário Perpétuo* é um dos meus livros favoritos [1]. Tanto é que temos três edições deste almanaque sempre à mão de semear. Inicialmente publicado em 1524, este almanaque oferece todo o tipo de conselhos relativamente às fases da lua, horóscopos, eclipses, agricultura, dias santos, saúde, conselhos nutricionais, previsões do tempo, entre outros. No espectro dos conselhos de saúde, o autor selecciona uma miscelânea de informações relativas à alimentação, provenientes da antiga medicina grega, árabe e persa.
De seguida, enumeramos alguns dos melhores conselhos nutricionais do Lúnário Perpétuo (L:), antecipados por propostas a ditado, e seguidos dos nossos singelos comentários (C:).
*Título completo: O Non Plus Ultra do Lunário e Prognóstico Perpétuo Geral e Particular para todos os Reinos e Províncias
Pão quente não é para o meu dente
L: “(…) O segundo verso diz que o pão não de deve comer quente (…). Isto é, o pão quente não é bem recebido da natureza, porque causa sêde, opilação, e porque os que assim o comem continuamente, sempre andam sem côr no rosto.”
C: Não quero saber se sou pálida, não consigo resistir ao cheiro de pão quente.
Sobre a comida não dormirás
L: “O verso primeiro nos prohibe o sono sobre a comida, ou ao menos diz que seja pouco, porque se é demasiado, causa muitos danos, como são indigestões do estomago, dôres de cabeça, e gravíssimas oppilações das vêas [veias], e conforme Avicena, d’ahi provem febres, catarros, debilitação do appetite, e um cansaço, e preguiça extraordinária dos membros.”
C: Por vezes apetece-me dormir uma soneca a seguir ao pequeno almoço. Mas depois as minhas pernas iam ficar todas preguiçosas, e isso é inconveniente.
Carne reles, sangue mau
L: “Querem dizer estes versos, que a carne de cabra, de bode, de lebre e de boi, não é boa para conservar a saúde; porque, como diz Rhazes Almançor, cap. de anima, a tal carne gera os humores grossos e o sangue melancolico.”
C: Isto pode nem ser assim tão absurdo, de acordo com a OMS [2].
Sobre o ovo cai o vinho
L: “Diz este verso (presupposto a regra sobredita) que sobre cada ovo se beba um trago de bom vinho; porque, conforme (…) Arnaldo de Villanova, assenta o estomago e ajuda muito a penetração do nutrimento para com os membros.”
C: Isto é óptimo para quem adora ovos mexidos ao pequeno almoço. Também explica porque é que se sente aquele formigueiro nos braços e pernas, depois de beber muito vinho.
Depois da carne, vem o queijo
L: “(…) depois de se comer carne, convém, para a saude, comer um bocado de queijo, porque faz assentar o comer e causa boa digestão, etc. (…) Isto é, que o queijo é causa de descer o comer á parte mais funda do estomago, aonde mais força, e vigor tem a digestão.”
C: É por isso que os hamburgueres têm queijo.
Para o espirro, queijo velho. Para a cólera, queijo fresco
L: “O queijo é proveitoso se se come pouco (…) o queijo velho é bom para os fleugmáticos e o fresco para os coléricos, porque se não sente o sal tanto no fresco, como no velho.”
C: Isto é particularmente verdadeiro se o queijo for mesmo pungente. Livra-nos logo da sinusite.
Muito sal, pouca lágrima
L: “O muito sal, ou os manjares demasiadamente salgados gastam a vida, porque dessecam a humidade dos olhos, com que ella se conserva. Causa muita comichão por todo o corpo, e gera sarna, porque o sal cria humor mordaz, adusto e penetrante, d’onde provém, segundo Almançor, cap. 3, sarna, lepra, e outros males.”
C: De acordo com esta citação, o nosso bacalhau salgado é pior do que uma infestação de piolhos.
Deus dá nozes a quem come peixes
L: “O primeiro verso diz, que se conserva muito a saúde, se depois de comer peixe se come alguma noz; e, conforme Avicena, a noz deve ser moscada, a qual consome a fleugma, que o peixe costuma gerar, (…) conforta o estomago e a vista.”
C: Esta é muito engraçada. Comer noz moscada pode fazê-lo alucinar [3]. Comer alguns tipos de peixe (dourada) também pode fazê-lo alucinar [4]. Logo, pode ser uma combinação cómica, mas trágica.
Mesa com sal, faz feliz o comensal
L: “Diz o verso primeiro, que não está a mesa posta sem sal. (…) a primeira coisa que se ha-de pôr diante do que come, ha-de ser o sal, (…). De comer o sal temperadamente nas iguarias se seguem muitos proveitos, e se evitam alguns damnos. Primeiramente, ajuda a digestão, aperta as carnes, tira o fastio, move o appetite, e come-se com gosto. O sal evita a corrupção dos humores (…).”
C: Óbvio. Ninguém gosta de comida insossa. Pãezinhos sem sal.
Referências [1] Cortez, Jeronymo (1863) O Non Plus Ultra do Lunario E Prognostico Perpetuo. Porto: Typographia do Jornal do Porto. [2] http://www.who.int/features/qa/cancer-red-meat/en/ [3] Brenner, N., Frank, O. S., & Knight, E. (1993). Chronic nutmeg psychosis. Journal of the Royal Society of Medicine, 86(3), 179. [4] de Haro, L., & Pommier, P. (2006) Hallucinatory fish poisoning (ichthyoallyeinotoxism): two case reports from the western Mediterranean and literature review. Clinical toxicology, 44(2), 185-188.