Mitos alimentares
Os mitos alimentares continuam a prosperar no nosso dia-a-dia, sem que haja uma grande distinção entre os que de facto têm fundamento e os que não – muitos vão ganhando destaque como ditados e acabam por ser recitados como genuínos conselhos médicos. Não iremos discriminar entre falsos ou verdadeiros, mas vamos dissecar de forma simples a biologia de cada um.
Mito Alimentar N.1 – Tudo o que comemos à noite transforma-se em gordura!
Esta afirmação parece ter raízes na prática da alquimia, à excepção de que a gordura, e não o ouro, ocupa o lugar de destaque. Os alimentos são constituídos por vários componentes nutricionais; os hidratos de carbono, lípidos (gorduras) e as proteínas, que representam os macronutrientes, e também micronutrientes, como as vitaminas e os minerais. Após a ingestão e digestão, as gorduras mantêm-se na forma de gorduras. Os hidratos de carbono, se não forem consumidos no imediato, são armazenados na forma de gordura. Já as proteínas são desdobradas em aminoácidos, que serão utilizados para produzir outras proteínas. Falta também referir que muitos alimentos são essencialmente compostos por água, que de maneira nenhuma se converte em gordura.
Mito Alimentar N.2 – Misturar água com leite, e outros alimentos, faz mal?
Este é um daqueles mitos clássicos com que quase todos nós crescemos, e parece ter-se tornado atingido o estatuto de regra para algumas pessoas. O medo de consumir água após uma infindável lista de alimentos, tais como o leite, gelados ou melão, é convertido em conselho de saúde. Antes de mais, é importante salientar que os alimentos frescos são compostos essencialmente por água. Por exemplo, no caso do leite ou frutas, 90% da sua composição corresponde a água. Consequentemente, já estamos a ingerir (muita) água quando consumimos comida. Logo, não há mais razões para entrar em pânico.
Mito Alimentar N.3 – É mais difícil digerir carne do que vegetais?
O nosso sistema digestivo, quando em funcionamento, representa uma verdadeira zona de guerra, com intervenientes químicos, físicos e biológicos. Possuímos as enzimas necessárias para digerir tanto alimentos com origem animal como vegetal. É, no entanto, uma questão de resposta difícil, sendo necessário fazer algumas considerações. Por exemplo, a composição celular das plantas é de alguma forma mais rígida do que a das células animais, devido à presença uma parede celular nas células vegetais, e por isso poderá resistir mais às fases iniciais da digestão. Por outro lado, os vegetarianos conseguem completar a digestão com maior rapidez, quando comparados aos não vegetarianos, devido à ingestão de elevadas quantidades de fibra [1]. Em suma, a questão fica em aberto!
Mito Alimentar N.4 – Alguns alimentos, tais como as maçãs e os pepinos, têm calorias negativas?
Este mito alimentar é bastante fácil de resolver se fizermos algumas contas simples. Vejamos, para se gastar 1 kcal é necessário mastigar durante 3 minutos. A menos que se planeie mastigar uma maçã de 100 gramas por mais do que duas horas e meia, estaremos a ingerir mais calorias do que o que estaremos a gastar. Nesse sentido, este mito alimentar tem o seu quê de verdade se estivermos dispostos a mastigar o tempo que for preciso para queimar as calorias consumidas (e ficar com uma luxação do maxilar). Assim sendo, até um hambúrguer de 700 kcal pode ter “calorias negativas”! Isto é, se estivermos dispostos a entrar numa maratona de 35 horas de mastigação [2].
Mito Alimentar N.5 – Um copo de leite à noite ajuda a dormir melhor?
A melatonina é uma hormona que está associada ao sono e que entra em actividade após o pôr-do-sol, e atinge o seu pico durante a noite. De facto, a melatonina é uma das nossas maiores aliadas na conquista de um sono profundo. Por outro lado, o triptofano é um aminoácido, e é o precursor do qual o nosso corpo necessita para produzir melatonina. E acontece que o leite possui triptofano. O queijo, os ovos e a carne também o possuem, mas em maior quantidade. Logo, beber um copo de leite pode mesmo contribuir para uma noite bem dormida [3].
Referências [1] - J. S. S. Gear, A. J. M. Brodribb, Alison Ware and J. I. Mannt (1981). Fibre and bowel transit times. British Journal of Nutrition, 45, pp 77-82. doi:10.1079/BJN19810078 [2] - Zamora Navarro, Salvador; Pérez-Llamas, Francisca; (2013). Errors and myths in feeding and nutrition: Impact on the problems of obesity. Nutrición Hospitalaria, Septiembre-Sin mes, 81-88. [3] - Umaraw P, Verma AK, Kumar D (2015) Designer Milk-A Milk of Intrinsic Health Benefit: A Review. J Food Process Technol 6: 426. doi: 10.4172/2157-7110.1000426