Lê-se em [est_time]
Portucale
Hotel Miradouro, Rua da Alegria, 598
Almoço – Seg-Dom 12 – 14h
Jantar – Seg – Dom 19:30 – 22:30h
Tel: 225 370 717
Parado no tempo, antiquado, velho, ultrapassado: são os termos constantes de quem descreve o Portucale. Mas tal desdém tem muita incúria.
Reparem, até é velho. Está a laborar ininterruptamente desde a década de 70 do século passado. Antiquado, diga-se mesmo, absolutamente antiquado. Já sabe que não vai encontrar paredes em madeira prensada, mesas de jantar da colecção do ano passado de certas cadeias internacionais. Tanto o restaurante como todo o edifício, desde o mobiliário, às tapeçarias, aos azulejos e a iluminação são exemplos vivos e perfeitamente preservados do período modernista/pós-modernista Português. Parado no tempo? Com certeza que parou. O Portucale foi louvado com uma estrela Michelin entre 1974 e 1980, e mantém uma ementa com forte presença de ingredientes portugueses, mas inspiração nos clássicos franceses.
Não haverá, portanto, assim grande mal em ser-se velho, antiquado e parado no tempo.
ESPAÇO
Chegados à magnífica torre da Cooperativa dos Pedreiros, a entrada faz-se pela recepção do Hotel Miradouro, que ocupa os 13 primeiros andares que antecedem o Portucale, bem lá no cimo. A entrada até pode ser feita com alguma desconfiança, mas com o fascínio de quem descobre um portal do tempo. Sobe-se ao topo num belo e surpreendentemente veloz elevador, e à saída é-se recebido com cortesia, sem poder deixar de notar o caderno aberto ao meio com a cuidada caligrafia da reserva.
Aqui não há maus lugares. Toda a sala se ilumina por janelas que a varrem a três quartos, e nos colocam uma das vistas mais panorâmicas do Porto, com mar, rio e montanha no mesmo plano. Não há maneira de não sermos lançados num jogo de cartografia: olha, ali são os Clérigos! O que é aquele edifício cor-de-rosa? Aquilo ali ao fundo é a minha casa. Tudo isto, e ainda nem tínhamos tocado na comida.
Mesmo nesta altura, algumas coisas sobre o Portucale já eram claras. O restaurante tem um serviço formal e totalmente prestável, que se articula com uma cozinha comprometida a explorar os pratos de raíz. Este mesmo cuidado estava presente no serviço de mesa, e não conseguimos evitar em reparar (e falar) sobre as peças da Christofle espalhadas por todo o restaurante, e não se trata de nenhuma publicidade descarada, mas é que este tipo de coisas já não se vêem facilmente, possivelmente teríamos de ir a um museu para encontrar semelhante (só pedimos o favor de não roubarem o faqueiro).
ENTRADAS
A lista de entradas era generosa e apresentava pratos com algum detalhe. Optamos pelo carpaccio de vitela com parmesão e crepes de camarão. O carpaccio não nos pareceu proveniente de carne cheia de ‘sangue na guelra’, tinha antes alguma maturação, o que lhe deu uma aproximação do sabor a uma carne curada, como cecina. As lascas de queijo bem maturado, secas e salgadas só podiam, racional e emocionalmente, serem envoltas pelas finas fatias de carne a pingar azeite. Ficou assim feito o tempero de que precisavam, puseram-na onde uma carne não conseguiria chegar sozinha, resultando num prato simples e de execução perfeita.
Os crepes de camarão, lembravam, pela cor e pela forma dois abismais croquetes. Mas não nos fiquemos pela aparência. A crocante crosta escondia uma massa delicada que guardava no seu centro um creme amanteigado com dignos camarões. O crepe deu-nos, de uma forma tão simples, dos melhores usos de camarão que já pudemos experienciar. Um bolinho de bacalhau não faz pelo bacalhau o que este crepe fez pelo camarão.
PRATOS PRINCIPAIS
Avante, escolhemos as bochechas de porco estufadas em vinho tinto e o naco de novilho, ambos acompanhados de arroz e vegetais salteados. Quando como bochechas em casa, sei que vou comer uma carne que só por ser olhada se derrete e se funde com o molho. Esta não era assim, cansou-me o maxilar e em cada garfada sentia o que não queria da carne, imaginei que durante vida, este porcino deveria ter passado muito tempo ansioso, num constante comprimir de maxilas. O arroz levou-me para a praia, a sua cor e molde piramidal, lembrou-me construções na areia, infelizmente também ele um pouco seco. Nos vegetais reinou a ordem, com a juliana de courgette e o tournée de cenoura e nabo executados de forma perfeita, ricos em consistência e sabor.
Do outro lado da mesa, já há muito se tinha começado a trinchar um naco de novilho grelhado no ponto, acompanhado de uma cebolada adocicada que servia também de molho. A peça de carne era alta e bem grelhada, com um esmerado ponto médio-mal passado, que se traduzia num sabor intenso. Os acompanhamentos foram os mesmos do prato anterior, mas com a adição de um cremoso esparregado de grelos.
SOBREMESAS
Já todos sabemos que quando vemos ‘fondant de chocolate’ na carta das sobremesa, automaticamente pensamos naquele petit gatêau congelado que vai 30 segundos ao microondas. Mas como a palavra ‘caseiro’ ficou no ouvido, pedimos o fondant de chocolate com coulis de frutos vermelhos e sorvete de lima e o toucinho do céu, que desde a nossa chegada nos esperava no carrinho das sobremesas.
O fondant tinha uma perfeita forma de cogumelo, com um revestimento crocante e um recheio de chocolate num estado de cremosa liquidez. Era todo o chocolate que necessitávamos. O toucinho do céu não fugiu ao esperado, numa suave doçura pontuada pela amêndoa triturada, que era envolta na cremosidade dos ovos e emanava um inesperado e delicado aroma a amêndoa amarga. O paladar que perdurou era tão agradável que ficamos a desejar que a nossa boca pudesse saber naturalmente assim.
Dizem que as viagens no tempo são uma coisa do futuro. Se esquecermos as bochechas de porco e algumas manchas na alcatifa, a nossa viagem só ficou por 19€ por pessoa.