Sempre que nos sentamos num restaurante mais típico e nos perguntam o que queremos beber, se respondemos “vinho”, segue-se a pergunta da praxe: “Verde ou maduro”? A resposta depende do gosto mas, quase instintivamente muitos respondem… maduro! Maduro? Verde? Como assim, vinho maduro? Verde?
Isto leva-nos a falar do vinho verde, esse vinho tão incompreendido, logo a começar pela dualidade do seu nome. Vejamos, o vinho verde nem é de facto verde — relativamente à coloração — nem tão pouco verde — no sentido da maturação. As uvas do vinho verde são colhidas apenas após o amadurecimento, afinal de contas não estamos a falar de verjus (sumo de uvas imaturas). Acredita-se que a designação venha da verdejante paisagem da região onde se produz, o Minho. Assunto arrumado. Vamos agora aos outros mistérios que rodeiam este vinho minhoto.
BREVE HISTÓRIA DO VINHO VERDE
A região dos vinhos verdes, o Minho, sustenta a vitivinicultura há quase dois milénios. Podemos encontrar vários registos romanos que abordam o cultivo da vinha na região. Mais tarde, já pelo século XII, vemos as ordens religiosas a afirmarem-se como as principais impulsionadoras do vinho local, introduzindo castas e novas técnicas de viticultura. A prática da viticultura está maravilhosamente representada nas iluminuras do Apocalipse de Lorvão (1189), abaixo. As ordens monásticas, em particular a ordem dos Beneditinos e dos Cistercienses, foram as guardiãs da sabedoria do vinho verde, com conhecimento e tradições que vieram a extravasar para as populações locais alguns séculos depois.
O vinho verde era (e é) também conhecido como “vinho do enforcado”. Esta designação provém do facto de muitas vezes as videiras serem plantadas junto a árvores—as famosas uveiras—acabando por as trepar e os seus cachos ficarem pendurados (como um enforcado). Esta técnica sobrevive até aos dias de hoje, mas é cada vez mais difícil de encontrar nas paisagens minhotas, visto que hoje predomina a vinha em cordões.
Este tipo de plantação era efectivamente mais barato, mais fácil e produtivo, sendo o preferido das populações locais, em conjunto com os arjões (vinha que trepa entre árvores). Contudo, o vinho proveniente das ditas uveiras era de qualidade significativamente inferior, pelo que as classes abastadas — o clero e os fidalgos — davam preferência ao plantar de “vinha de pee” ou em ramadas. Este último seria o que acabaria por seguir para os circuitos comerciais, porque a procura pelo vinho verde não estava limitada ao Minho.
Curiosamente, o vinho verde foi o primeiro vinho português a ser exportado. Diz-se que alguns dos primeiros a fazê-lo terão sido os pescadores portugueses que trocavam esporadicamente o vinho verde em Inglaterra por bacalhau, algures pela altura em que Afonso Martins Alho conseguiu negociar o primeiro acordo comercial com os britânicos a propósito da pesca do dito gadídeo (1353).
A procura apenas se começou a consolidar no século XVI, altura em que instalou em Viana do Castelo a primeira Feitoria Inglesa em Portugal, a partir de onde os vinhos da região (especialmente de Ribeira do Lima e Monção) eram exportados para a Europa, em especial para Inglaterra e Flandres.
Com a demarcação do Douro em 1756, a região dos vinhos verdes perdeu força, preferência, e poder. Seguiu-se uma luta dos produtores minhotos contra o monopólio da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, luta que no fim pendeu sempre mais a favor do Douro. Os produtores reivindicaram então a demarcação, que apesar de apaziguada na forma de uma Sociedade fundada pela rainha D. Maria I em 1784, só veio a concretizar-se em 1908. Ainda assim, tal data torna a Região Demarcada dos Vinhos Verdes a segunda mais antiga do país e uma das mais antigas da Europa.
REGIÃO DEMARCADA DO VINHO VERDE
Bem lá no cimo do Noroeste português fica a região do Minho, aninhada entre os distritos do Porto e Viana do Castelo, e delimitada a este pelo Douro, e a oeste pelo Atlântico. No misto das suas paisagens moldadas por magníficas serras como o Gerês, a Agra e o Soajo, encontramos os vinhedos responsáveis pelo nosso verdinho.
Pois bem, para ser vinho verde tem de ser produzido na Região Demarcada dos Vinhos Verdes, uma das maiores regiões demarcadas do país e da Europa, que pode ser dividida em nove sub-regiões, nomeadamente: Monção e Melgaço, Lima, Paiva, Basto, Cávado, Amarante, Sousa, Ave e Baião.
A olho nu, vemos logo que as estonteantes e verdejantes paisagens do Minho diferem em muito do resto da paisagem de Portugal. A exuberância da vegetação explica-se pelo clima particularmente chuvoso e as temperaturas amenas. Já o solo, predominantemente granítico, com acidez elevada e pobre em fósforo, tem um perfil totalmente diferente do vizinho Douro, que assenta em xisto. Estes factores moldam o perfil do vinho, mas a importância das sub-regiões diz-nos que cada zona tem o seu terroir próprio, intimamente ligado às suas particularidades edafoclimáticas, às castas que lá se cultivam, e às tradições dos seus vinicultores.
QUEM ÉS, VERDE?
Considerando o supradito, podemos concluir que não há dois vinhos verdes iguais, e nem tão pouco se pode rotular a classe como um todo. Se de forma genérica os poderíamos catalogar como “frescos, frisantes e baratos” (segue por exemplo este artigo do New York Times), não estaríamos a contar a história toda.
Se os há frescos e baratos? Há-os. Há-os para o verão, para a festa da freguesia, para a tasca. Será que um vinho verde alguma vez poderia ser seco, ou nem sequer ser frisante? Será que alguém o reconheceria? Claro que sim.
A aposta de alguns pequenos produtores tem sido em tirar o melhor partido das fantásticas castas nativas da região, não só as reconhecidas alvarinho, loureiro e vinhão, mas também a avesso, azal, trajadura, arinto, entre outras. Preocupam-se em definir as sub-regiões, e cultivar as vinhas nas condições que lhes dêem a melhor maturação, com o açúcar e acidez ideais. Depois, arriscam em novos vinhos monovarietais e blends ousados. Para aprofundar os sabores, alguns produtores também lhes conferem estágio em madeira. O vinho verde moderno é diferente, está à procura de si, e à procura de maturidade.
É precisamente por isso é que a percepção do vinho verde tanto em Portugal como no estrangeiro pode honrar a tradição, mas também deve acreditar numa geração que hoje se esforça por se distanciar da imagem do “fresco e barato”, e que ambiciona transcender a imagem da casta inespecífica e da carbonatação artificial*, e a ideia de que os verdes não podem envelhecer em garrafa.
* Curiosidade: A famosa “agulha” ou carbonatação dos vinhos verdes provém de uma segunda fermentação, a fermentação maloláctica. Esta consiste na transformação do ácido málico naturalmente presente em ácido láctico e dióxido de carbono (CO2) por acção das bactérias ácido-lácticas. Esta fermentação também baixa a acidez do vinho, uma vez que o ácido láctico é mais gentil do que o málico. Este tipo de fermentação é mais procurada para os tintos do que para os brancos, onde se quer alguma acidez. Tradicionalmente, a fermentação maloláctica ocorre após o engarrafamento, onde o gás fica preso na garrafa. Porém, actualmente muitos produtores industrializados recorrem à carbonatação artificial do vinho, ao invés da fermentação.
Actualmente, o sector conta com cerca de 20.000 produtores, numa área de produção total de 15 882 hectares (2017). Produzem-se, por ano, quase 60 milhões de litros (dados 2016/2017), dos quais 25 milhões seguem para exportação. Os maiores importadores de vinho verde são a Alemanha, EUA, França, Brasil, Canada e Reino Unido.
VINHO VERDE BRANCO
O vinho verde branco é o verde de eleição. É-o pela sua delicadeza, plasticidade e complexidade. A cor dos verdes brancos pode variar entre o dourado e o citrino claro, mas em termos de aroma e paladar, depende muito da sub-região e das castas de que provêm, bem como do blend que é escolhido pelo produtor. Podem seguir um perfil mais frutado ou floral, e em geral obedecendo a uma acidez equilibrada. É por isso difícil definir os brancos como um todo, mas há efectivamente duas castas que representam muito do que melhor que se faz na região, que são a alvarinho e a loureiro.
A alvarinho é a rainha de Monção e Melgaço, terras onde se adapta na perfeição e produz um magnífico monovarietal, bastante distinto de todos outros verdes brancos. O Alvarinho mostra-se um vinho de cor palha, seco e encorpado, com boa acidez, um teor de álcool um pouco superior, e com bouquet floral e frutado, lembrando citrinos, pêssegos e maçãs. É perfeito para acompanhar mariscos e peixes. Para muitos, o Alvarinho é um dos melhores vinhos brancos do mundo, e alguns dos produtores que o elevam a esses estatuto são a Quinta do Soalheiro e o produtor e enólogo Anselmo Mendes.
Por outro lado, temos a loureiro, que reina no vale do Lima. Produzem-se com ela também alguns vinhos monovarietais de altíssima qualidade, que se apresentam de cor citrina, harmoniosos e frescos, com uma boa acidez, e aroma a lima, maçã, toranja, e flor de laranjeira. Emparelha-se muito bem com castas como a trajadura, alvarinho ou arinto. Entre os produtores, podem destacar-se a Adega Cooperativa de Ponte de Lima, detentora de vários prémios nacionais e internacionais, bem como a inovadora e ambiciosa Quinta do Ameal.
VINHO VERDE TINTO
O verde tinto tem um lugar especial no coração de muitos portugueses. Muitos adoram-no, e muitos outros detestam-no (ou talvez só não o compreendam). Pois bem, o sabor do verde tinto é reconhecidamente adstringente, com um carácter encorpado e um aroma frutado e vinoso pronunciado, de cor rubi inconfundível que deixa pintada a caneca e a malga. Isto porque em terra de tradição, o verde tinto bebe-se na malga com a espuma a crepitar, saído directo do pipo.
Para o produzir, recorrem-se a castas como a vinhão (que compreende a maioria da produção), mas também a borraçal, espadeiro e rabo de ovelha, entre outras. No final de contas a imagem do tinto não deve ficar pela do vinho carrascão: o verde tinto também pode ser excelente. Dá-se o exemplo de alguns produtores que querem revolucionar o segmento, em particular Vasco Croft com o Aphros Vinhão, ou Anselmo Mendes com o seu Vinhão.
Para quem insiste que não entende o verde tinto, o segredo para se aproximarem talvez esteja em bebê-lo associado ao que lhe fica bem: com umas papas de sarrabulho, um arroz de lampreia, um caldo verde, uns rojões ou um bacalhau. Deve beber-se entre os 12 e os 15ºC.
VINHO VERDE ROSÉ
Os rosés são uma vertente recente no mundo dos verdes. Provêm exclusivamente de castas tintas, em especial da espadeiro e padeiro, mas sofrem uma vinificação semelhante à dos vinhos brancos, o que lhe confere uma cor rosada pálida ou mais carregada. O paladar é ligeiramente doce, e recorda frutos vermelhos como o morango e a framboesa, pelo que dão excelentes aperitivos ou acompanhantes de sobremesas. Deverá ser bebido entre os 8 e os 10ºC. No mundo dos vinhos verdes rosé, aponta-se como uma boa escolha o Dom Diogo Padeiro da Quinta da Raza.
ESPUMANTE DE VINHO VERDE
Não é de admirar que características das castas do vinho verde as tornem numa matriz interessante para desenvolver espumantes. Os espumantes de vinho verde são muito aromáticos, com um perfil elegante, bolha fina e acidez equilibrada. São excelentes aperitivos, mas também acompanham bem a refeição, sendo que devem ser bebidos entre os 6 e os 8ºC. Aqui podem destacar-se os espumantes da Quinta do Soalheiro (Bruto Rosé e Bruto Alvarinho).
AGUARDENTE DE VINHO VERDE
Quando há vinho, muitas vezes também há aguardente. No caso do vinho verde, temos tanto aguardente bagaceira como aguardente vínica. A primeira, feita a partir da destilação do bagaço, pode apresentar-se velha, com estágio em madeira, ou branca, sem estágio. Destas podem-se destacar a aguardente Palácio da Brejoeira ou Aveleda. Por outro lado, temos as aguardentes vínicas, obtidas a partir do mosto. As aguardentes vínicas de vinho verde chegaram a ser usadas para fortificar o vinho do Porto no século XVIII. Estas aguardentes são de qualidade superior, e têm um grande potencial de envelhecimento (velhas). Estas aguardentes fazem um excelente fecho de refeição. Entre as aguardentes vínicas destaca-se a celebrada Adega Velha (Aveleda).
VISITAR A REGIÃO DOS VINHOS VERDES
Chega a uma altura em que provar o vinho não basta, há que partir à descoberta das suas origens. Visitar as verdejantes paisagens do Minho, por entre as suas muitas serras e belíssimos cursos de água, e conhecer as suas gentes, provar a sua vibrante gastronomia e beber os seus vinhos, é de facto um prazer como poucos em Portugal. Para o ajudar neste percurso, deixamos-lhe uma lista de algumas das melhores quintas de enoturismo que poderá visitar durante a sua aventura pela região dos vinhos verdes. Se estiver interessado em conhecer a região, pode partir à aventura connosco: pergunte aqui!
QUINTA DE SOALHEIRO
Melgaço
A Quinta de Soalheiro é reconhecidamente uma das melhores explorações vinícolas do país. Esta quinta familiar foi a primeira a criar uma marca de vinho Alvarinho de Melgaço, a Soalheiro, amplamente reconhecida tanto nacional como internacionalmente. A empresa abraça assumidamente a inovação, que se pode descobrir na adega, e também se dedica desde há alguns anos ao enoturismo, fazendo visitas e provas de vinhos. É possível fazer uma visita gratuita com direito a prova, mas vale a pena marcar com antecedência, e demorar-se a experimentar as provas mais detalhadas com direito a degustação de fumeiro. Na loja, pode encontrar a vasta gama de vinhos verdes da marca.
Alvaredo, 4960-010 Melgaço
+351 251 416 769
QUINTA DO AMEAL
Ponte de Lima
Bem no coração do Vale do Lima, surge-nos a pequena e pitoresca Quinta do Ameal. Reconhecida pela excelência dos seus vinhos da casta Loureiro, esta quinta oferece uma enriquecedora experiência da vinha ao copo. Todos os vinhos produzidos na quinta provêm de uvas biológicas, obtendo-se assim um produto de qualidade superior, e também com uma pegada ecológica mais responsável. A determinação e paixão destes pequenos produtores levaram os vinhos verdes brancos Quinta de Ameal a serem reconhecidos por algumas das principais publicações a nível mundial. Para além de realizar provas, pode também aproveitar para pernoitar na quinta, que dispõe de umas magníficas e relaxantes instalações rodeadas de natureza.
Refoios do Lima, 4990-707 Ponte de Lima
+351 258 947 172
QUINTA DA AVELEDA
Penafiel
A Aveleda é um dos grandes nomes do vinho verde, ou não fosse a casa-mãe do Aveleda, Casal Garcia, Charamba, e da aguardente Adega Velha. Em Penafiel, a um saltinho do Porto, ergue-se a magnífica quinta do século XIX, em terrenos cultivados há mais de 300 anos. Mediante marcação, poderá realizar provas de vinhos verdes em diferentes modalidades, incluindo provas temáticas, mas também poderá desfrutar de um almoço regional, de um piquenique ou passeio de bicicleta na vinha, visitar a adega velha, ou usufruir de uma variedade de workshops e cursos. Para além do esplendor da vinha, recomenda-se que se perca nos magníficos jardins românticos da quinta, e aprecie os pormenores das diversas construções que se erguem por entre a vegetação, tais como a Casa do Porteiro, a Casa de Chá, a Torre das Cabras, e também a janela Manuelina onde se acredita ter sido aclamado rei D. João IV. Na loja de venda ao público poderá adquirir os vinhos e aguardentes produzidos na quinta, bem como queijos e compotas de fabrico próprio.
Rua da Aveleda nº2, 4560 – 570 Penafiel
+351 255 718 242